segunda-feira, 8 de outubro de 2007

TROPA DE ELITE

Classificação:


“Para que trocar tiro com a polícia se da para negociar?”

Em Ônibus 174, de José Padilha, acompanhamos a trajetória do seqüestro do ônibus de mesmo nome pelo civil Sandro Nascimento. Sandro conseguiu transformar o seqüestro num caso, de certa forma, histórico dentro do país. A atuação da polícia foi precária, a negociação foi difícil e o saldo disso foi uma refém sendo morta com um tiro na cabeça e dois nas costas dados por Sandro. O tiro dado na cabeça foi feito por um oficial da polícia a menos de um metro de distância. Um tiro que era para ter sido disparado em Sandro Nascimento, de 21 anos. O despreparo da polícia fica evidente no documentário de 2002 que relata os fatos ocorridos em 2000, no Rio de Janeiro.

Nascimento, só que agora o capitão, não admite que um agente/policial do BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais) seja ou esteja despreparado. O BOPE não quer e nem permite pessoas “fracas” ou com tendências a corrupção agindo em nome deles. O capitão Nascimento (Wagner Moura) decide se afastar do BOPE para se dedicar a esposa. E também ao filho que está para nascer. Por isso, ele que sempre agiu de acordo e com uma serenidade ocultada pela frieza exagerada, precisa de um substituto a sua altura. Que no linguajar deles, “dê conta do recado”.

Nesse meio tempo passamos a acompanhar a trajetória de dois amigos. André e Neto. Neto (Caio Junqueira) tem idéias mais radicais, age por instinto e sonha alto. Anseia por operações dentro da favela, operações especiais. Já André Matias (André Ramiro) entrou para a polícia mais como uma espécie de “apoio” para sua especialização em direito criminal, usa a polícia como âncora para melhorar seu aprendizado em direito.

Mas, nem André e nem Neto conseguem - inicialmente - operar dentro do posto idealizado por ambos. São colocados em “ponto-morto”. Suas expectativas vão sendo deixadas de lado até que, eles passam a compreender como as coisas funcionam lá dentro. Neto começa a sair acompanhando algumas batidas e apreensões e percebe que os policiais falam de propina e “ganhar por fora” com a maior naturalidade possível. A cena em que um policial se irrita com um vendedor porque ele anda aceitando o serviço de outro PM deixa isso bem claro. O vendedor tem a opção de escolher qual PM quer para defender o seu negócio apenas “abrindo a carteira”.

André faz algumas amizades na universidade e quando começa a sair com novos amigos percebe que eles andam no morro e usam drogas como se fosse algo normal. Eles possuem livre acesso a uma facção, a facção da ONG. A facção defende-a provavelmente com parte do dinheiro cedido a ONG pelo estado, algo que o filme não trata, mas, subtendendo-se fica até mais interessante. André não toma as atitudes necessárias de um policial (honesto) e acaba se envolvendo cada vez mais com a situação.

Enquanto isso, o BOPE prepara a segurança do papa João Paulo II que está vindo para o Rio de Janeiro. E o capitão Nascimento prepara a escolha do seu substituto e vai vivendo como pode até a chegada do filho. Mas, uma operação é iniciada pelos próprios policiais, eliminar o Capitão Fábio. Eles acreditam que Fábio interceptou o dinheiro de uma propina que não era para ele. Quando foi Neto que se juntou a André para usar o dinheiro a fim de comprar peças para os automóveis da oficina do quartel. André e Neto ficam sabendo do futuro assassinato do Capitão Fábio e resolvem tentar impedir a operação. Então, devido a alguns problemas tem início um tiroteio entre PMs e traficantes diante de um baile funk. Ao fim da operação, o capitão Nascimento rapidamente conhece Neto e André. E a ordem de substituição de Nascimento finalmente é dada. É hora de começarem os treinamentos.

A seqüência do treinamento é o único alívio cômico do filme, e não é um humor barato. É um humor negro, duro e triste. Enquanto acompanhamos Neto e André treinando vemos a tentativa dos oficiais do BOPE em fazer o capitão Fábio desistir quando descobrem que o mesmo é corrupto. A operação do segundo ato do filme, de salvar Fábio, praticamente não valeu para nada. Cheguei a lembrar do clássico “Nascido Para Matar” (Stanley Kubrick), mas especificamente, por causa do treinamento.

Wagner Moura ainda insiste em participar de novelas. Ele prova mais uma vez que é ator de cinema. Nem que ele apareça todo dia na novela ele consegue se destacar mais do que em menos de duas horas de projeção cinematográfica. Wagner adere ao cinema de vez, por sacrilégio. Seja uma pequena participação em “A Máquina”, seja dividindo a tela com Lázaro Ramos em “Cidade Baixa” ou enchendo-a em “Tropa de Elite”, Wagner prova que não é só um ótimo ator. É um ator constante, que escolhe bem cada papel e dá uma variação de interpretação para cada um deles.

Fala-se muito da violência do filme. Não o achei violento. Quem diz isso será que já viu algum filme do diretor francês Alexandre Aja? E Kill Bill é o que? Comédia? É um filme forte, não violento. A pior violência é aquela que não é mostrada, essa sim. Exemplo disso é a cena em que policiais “rodam” de um lado para outro com corpos mortos jogando-os em outro lugar como se fossem sacos de lixo. Quer uma violência pior do que essa? O resto das cenas mais pesadas do filme são conseqüências do roteiro. O espectador que presta atenção sabe que a tendência do filme é que a tensão aumente. Ao mesmo tempo, classificaram o filme como ação. Não é um filme de ação. No máximo um drama policial. Melhor ainda que não seja ação, pois, angariar recursos para um filme de ação faria com que Tropa de Elite deixasse de focar em seus personagens para dar vez a explosões pirotécnicas, perseguições alucinantes e ação massiva intercalada por um ou outro diálogo. Aí sim poderiam até dizer que seria um filme de ação hollywoodiano.

Há alguma semelhança entre Sandro Nascimento (Ônibus 174) e o capitão Nascimento de Tropa de Elite? Mesmo os dois estando em lados opostos da lei? Sim. Acredito que mesmo estando cada um em um lado oposto, em certa hora, para quem viu ambos os longas, é possível perceber que os dois desejam sair do mundo que habitam. Que ambos não são felizes no que estão fazendo, mas, que agora arcam com o peso da “obrigação” por questão de sobrevivência.

Se em “Cidade de Deus” vimos o lado dos bandidos, em Tropa de Elite vemos o outro lado. A única semelhança entre os dois longas é a equipe de produção. Com Daniel Rezende na edição e Bráulio Mantovani no roteiro. O filme é baseado no livro “Elite da Tropa”, do ex-capitão do BOPE Rodrigo Pimentel (que escreveu o roteiro de Ônibus 174) e do sociólogo Luis Eduardo Soares.

Não é o melhor que nosso cinema pode oferecer, não é o melhor longa do cinema nacional. Mas continuando à passos largos assim, José Padilha está caminhando para nos oferecer boas surpresas pela frente. Para encerrar, uma última passagem do filme, dita pela personagem de Wagner Moura.
“A verdade é que a paz no Rio depende de um equilíbrio delicado, entre a munição dos bandidos e a corrupção dos policiais”.

2 comentários:

Treckados disse...

mto lgal a análise!

Querco disse...

Jônatas,

Seus textos são muito bons. Gostei muito do Blog.
Abraço