quinta-feira, 8 de março de 2007

O CÉU DE SUELY


Classificação:



Cada vez mais o problema da falta de bons colaboradores (leia-se patrocinadores) vem instigando nossos cineastas. Falta-se dinheiro sobra roteiro. Se essa falta de dinheiro continuar e melhores roteiros e diretores surgirem então que falte dinheiro para o cinema nacional, pois produtores picaretas não faltam aqui querendo gastar dinheiro em produções ruins.

Para Karim Aïnouz, diretor de O Céu de Suely, dinheiro e grandes nomes de peso em um filme nunca pareceram problemas para esse exemplar cineasta. Com Madame Satã ele apenas despontou para uma carreira gloriosa, mas o que pouca gente sabe é que Karim é formado em cinema na Universidade de Nova York e já trabalhou como montador de alguns filmes americanos por sinal. Para ele não é terreno estranho apesar de estar apenas em seu segundo longa.

O Céu de Suely conta a trajetória simples (palavra chave no roteiro para mim) de Hermila. Moça que muito nova fugiu de casa com o namorado para morar em cidade grande. Ainda nova, com apenas 21 anos ela retorna para a casa da sua avó agora com um filho. Sua vontade é agora constituir família na cidade de Iguatu. O namorado ficou na cidade grande para terminar alguns negócios para depois voltar a Iguatu. Fica claro assim que Hermila chega que, provavelmente não verá mais o namorado. O diretor soube amarrar as pontas sem dar a personagem uma falsa esperança e esticar ainda mais o drama da moça.

A cidade isolada descrita pelo próprio diretor como uma cidade-passagem é um exemplo de interior onde ou se saí rápido de lá ou se fica para sempre. Com a fotografia beirando a perfeição é fácil perceber que Iguatu contrasta muito bem com Hermila. Isolada, triste algumas vezes e com um horizonte que deixa incerto o caminho a se seguir. Chega uma hora em que não se consegue diferenciar Hermila e Iguatu. Sem perder muito tempo o diretor logo nos mostra para onde o filme irá caminhar. Com apenas 88 minutos o filme corre, mas sem se perder e consegue mostrar a trajetória de Hermila em seus altos e baixos.

Vale destacar também que o trabalho realizado em cima dos atores foi algo fora do comum. A preparação, o ensaio, a programação e a improvisação foram algo de extrema competência. Só para citar um exemplo o diretor chegou a forçar uma cena que não existia no roteiro apenas para aproveitar o choro da atriz principal ao fim de uma cena. Se há luz e câmera por que não filmar deve ter pensado Karim.

Agora falarei sobre o fator talvez mais importante do filme em si. Sua simplicidade. O roteiro, a atuação, a simbologia e a direção foram coisas tão simples que caso acontecesse um deslize o filme teria sido afetado. Justamente por trabalhar em cima de extremos o diretor tenha conseguido arrancar tudo que ele queria. Leve e ao mesmo tempo denso. Livre e também preso. O filme poderia "quebrar" se não fosse a excelente mão de Karim podando aqui e ali detalhes que acrescidos ao trabalho do resto da equipe tornaram esse filme digno de todos os elogios.

Voltando a história por que O Céu de Suely? Desacreditada da vida, com um filho para criar e junto com a quase certeza de permanência em Iguatu Hermila se inquieta com a situação e passa a andar com uma garota de programa chamada Georgina. É então que, partindo de Hermila surge uma louca solução para se ganhar dinheiro. Ela decide se vender, não como uma prostituta como ela mesma frisa. Ela vai se rifar, assim apenas dormirá com um homem em vez de vários. Não se tornando assim uma prostituta. Vale realçar um fato simples mais uma vez que talvez dê mais brilho ainda ao roteiro. O diretor poderia muito bem ter se rendido aos clichês e ter transformado Georgina na ponte que levaria Hermila a prostituição, mas fica claro que é Hermila que escolhe passar por tudo sem influência de terceiros.

Se depois de tudo isso por quais razões o filme não levaria as cinco estrelas? Por duas razões. A primeira é que a personagem da sogra de Hermila em nada acrescenta ao roteiro então não tê-la no filme seria até melhor, foi algo até inesperado ver essa personagem Não vi na mesma personagem o que ela poderia prestar ao filme ou vice-versa. E em segundo lugar apesar de não ter nada contra, até porque respeito o diretor e confio no que ele faz, o filme conta com uma cena de sexo que talvez tenha sido mal aproveitada, ou melhor, um pouco longa demais. O pior é que a cena não poderia ser retirada porque chega a ser até um clímax do filme depois de tudo o que é apresentado antes. Mas, acredito que de alguma forma ou a cena poderia ter sido encurtada ou mascarada de alguma outra forma. Existiam meios de tornar aquela cena menos densa do que ela já vinha prometendo ser.

Um bom roteiro nunca perderá espaço para milhões e milhões. Dinheiro pode até gerar lucro e sucesso, mas com certeza esse blockbuster não entrará para história e anos depois o filme com um bom roteiro vai ser lembrado.

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